Mobilidade com parada obrigatória: como a falta de infraestrutura impede o uso da bicicleta em Aracaju

Mobilidade com parada obrigatório: fim da ciclovia na Avenida Tancredo Neves em Aracaju. Antônio Cardoso/g1 A sinalização indica o fim da ciclovia na princi...

Mobilidade com parada obrigatória: como a falta de infraestrutura impede o uso da bicicleta em Aracaju
Mobilidade com parada obrigatória: como a falta de infraestrutura impede o uso da bicicleta em Aracaju (Foto: Reprodução)

Mobilidade com parada obrigatório: fim da ciclovia na Avenida Tancredo Neves em Aracaju. Antônio Cardoso/g1 A sinalização indica o fim da ciclovia na principal via da capital sergipana: a Avenida Tancredo Neves, no Bairro Capucho, Zona Norte de Aracaju. Em meio a dezenas de carros, motos e veículos pesados, a bicicleta agora precisa encarar a malha rodoviária de avenidas e ruas estreitas onde as duas rodas se mostram frágeis e vulneráveis no trânsito da capital sergipana. Distante do consenso para a mobilidade em todo o mundo, Aracaju não apresenta um planejamento para a viabilidade da bicicleta na rotina. É comum que as ciclovias não se conectem, o que dificulta o uso do modal. Cada pedaço de ciclovia que não leva a lugar nenhum é uma porta fechada para os ciclistas que usam esses espaços. Américo Vieira é aposentado e um usuário ocasional da ciclovia, mas a falta de interligação impede que ele vá a locais mais distantes da sua casa, que fica no Bairro Inácio Barbosa. "Eu pego a bicicleta pra fazer algumas coisas no fim de semana e às vezes vou no Centro, mas pro lado de lá é muito perigoso. Nessa fase da vida, eu tenho que ter mais atenção", contou o idoso enquanto apontava para mostrar o fim da ciclovia da Avenida José Carlos Silva. O aposentado Américo Vieira aproveita o fim de semana para andar de bicicleta em Aracaju O problema é ainda maior para quem precisa utilizar esses espaços com frequência. Há um ano, Ricardo Santos começou a trabalhar com entregas por aplicativo e faz uma renda extra com a bicicleta. Para ele, a falta de planejamento das ciclovias abre espaço para acidentes. Ricardo Santos trabalha busca uma renda extra com a bicicleta. Antônio Cardoso/g1 "As que temos, dá para quebrar o galho, mas tem alguns pontos específicos que deveriam ter também, mas não tem. [...] Ainda tem o problema da falta de sinalização. A gente tem que esperar a boa vontade dos motoristas para atravessar uma rua. Se você piscar, já corre o risco", disse Ricardo. O que apontam os especialistas Para a especialista em segurança e educação no trânsito, Tissiane Costa Araújo, as ciclovias ajudam a reduzir congestionamentos e poluição, melhoram a saúde, aumentam a segurança e têm baixo custo, mas sem vias contínuas e seguras, o trânsito gera uma sensação de insegurança, medo e desconfiança, o que impede que pessoas adotem a bicicleta como meio de transporte diário, mesmo querendo. "Aracaju tem uma boa extensão de ciclovias, mas ainda enfrenta déficit funcional: muitos trechos não são conectados, há falhas na manutenção e pouca integração com o transporte público. O problema é mais de qualidade e continuidade do que de quantidade”, disse Tissiane Costa Araújo, especialista em segurança e educação no trânsito. Segundo a Associação Brasileira do setor de bicicletas (Aliança Bike), a capital sergipana tem cerca de 90 km de ciclovias, praticamente suficiente para sair de Aracaju e chegar à cidade de Propriá, na divisa com o estado de Alagoas. Em números proporcionais, Aracaju tem a sétima maior malha cicloviária por habitantes entre as capitais brasileiras. É uma média de 14,27 km a cada 100 mil habitantes, sendo a segunda melhor da região Nordeste. Média de quilometragem de ciclovias a cada 100 mil habitantes A capital sergipana já chegou a ocupar o primeiro lugar desse ranking. Em 2011, a gestão municipal chegou a declarar que tinha a maior quilometragem proporcional do país, mas essa vantagem caiu. Os dados da Aliança Bike mostram que, entre 2023 e 2024, Aracaju aumentou o número de ciclovias ou ciclofaixas em 2,91%. A média nacional entre as capitais brasileiras foi de 7,3% de expansão de áreas exclusivas a ciclistas. Em contrapartida, por exemplo, também no ano de 2023, o Consórcio Metropolitano de Aracaju anunciou um investimento de R$ 24 milhões no transporte coletivo, além do subsídio aprovado pela Câmara de Vereadores no ano seguinte, também de R$ 24 milhões. Enquanto isso, não houve apresentação formal de planejamento para as ciclovias desde então. A capital sergipana hoje vive uma expansão da frota de ônibus elétricos. Ônibus elétricos: nova tecnologia que tende a avançar na Grande Aracaju Leonardo Barreto/TV Sergipe A desaceleração no crescimento de ciclovias mostra uma redução de investimentos nos últimos 14 anos. Para Clevson Passos, do movimento Bike Roubada, não existe uma infraestrutura adequada. Ele dividiu o desafio do ciclista em Aracaju em quatro grandes problemas: Interrupções: a malha cicloviária é frequentemente interrompida de forma abrupta, obrigando o ciclista a se misturar com carros em vias de alta velocidade. Pisos deteriorados, quebrados ou com obstáculos que também forçam o ciclista a sair da via exclusiva. Falta de sinalização: não há placas e sinalizações suficientes, o que gera confusão e atrito com motoristas e pedestres. Invasão e Uso Indevido: carros pequenos e até caminhões estacionam nesses locais, além de motociclistas que invadem a faixa exclusiva. Durante a construção da matéria, a reportagem, inclusive, flagrou o condutor de uma motocicleta invadindo o espaço exclusivo para bicicletas na Avenida Augusto Franco, ao lado do Departamento Estadual de Trânsito de Sergipe (Detran-SE), órgão responsável para garantia de que as leis de trânsito sejam cumpridas. Motociclista invade espaço exclusivo de bicicletas na Avenida Augusto Franco, em Aracaju. Antônio Cardoso/g1 Legislação Aracaju já possui uma lei municipal de Mobilidade Sustentável (Lei nº 5.899/2024), de autoria do vereador Breno Garibalde (Rede), mas que, segundo o próprio parlamentar, na prática, nada avançou. “Somos uma cidade plana, compacta e perfeita para caminhar e pedalar, mas as gestões continuam priorizando quase que exclusivamente o transporte rodoviário. [...] Hoje as ciclovias não se conectam, muitas começam e terminam no meio do nada, falta manutenção, iluminação, segurança e integração com os terminais. Bicicleta não é só lazer: é transporte. É política climática, é saúde, é qualidade de vida e é a forma mais barata e justa de garantir acesso à cidade”, declarou o vereador. Até a publicação da matéria, a Prefeitura de Aracaju não se manifestou.